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Morre-se e pronto

por Melissa Lopes, em 08.04.15

Sexta-feira, dia 3. Estava a correr na cidade universitária quando a minha mãe me ligou. Era quase meio dia e estava muito calor. Eu queria apenas correr 5 km. Ia no terceiro km. A notícia: "a avó já morreu!". E o "já" reflecte o facto de estarmos totalmente à espera que acontecesse. Os médicos já não iriam fazer mais nada e tinham alertado para a proximidade do fim, do fim da vida da minha avó. Vida não é bem a palavra certa. Aquilo já não era vida. Os últimos dois anos oram muito maus, depois de ter sofrido vários AVC's que a mandaram para uma cadeira de rodas e lhe limitaram a fala. Agora, nos últimos tempos, não falava, não comia (apenas por uma sonda) e só abria os olhos de vez em quando. Estava constantemente a ser internada devido a infecções respiratórias, pneumonias e por aí diante. No último internamento, além das dificuldades respiratórias, os rins davam sinais de estar a falhar. Nada havia a fazer. A morte foi o caminho natural depois de tanto sofrimento. 

Continuei a corrida. Tinha que fazer os 5km, a vida tinha que correr para a frente. E assim foi. Se fiquei triste? Naturalmente que sim, mas, não acreditando eu que haja mais alguma coisa depois da morte, resta-me (resta-nos) seguir logo em frente, aceitar que "morre-se e pronto".  Uma vez que a eternidade é apenas um conjunto de letras, uma ideia literária, reliogosa e mítica, que não tem um significado real, tomara que todos os vivos morressem velhinhos, como a minha avó, ou melhor, como Manoel de Oliveira que viveu até morrer. 

Fiz os 5km. No dia seguinte fiz outros 5, antes de seguir para a terra da minha avó (Alcobertas, Rio Maior). Corri ao meio dia e meia, estava um calor infernal, mas tinha de o fazer antes de ir lidar com toda a situação. O funeral foi no domingo, foi uma Páscoa diferente, mas a família juntou-se como dificilmente se junta. Vi primos e tios que já não via há uma carrada de anos. A minha avó não festava a Páscoa por ser testemunha de Jeová, mas conseguiu juntar-nos a todos nessa altura do ano. Irónico, não?

Voltei esta segunda. Ontem fui ao treino, corri melhor. A corrida é terapêutica, o melhor calmante que podemos tomar, a melhor conselheira que podemos ouvir. Porque somos nós mesmos a escutar-nos, de forma inteira, sem restrições de pensamentos. 

Morre-se e pronto. A vida continua e nós continuamos com ela como melhor sabemos e do jeito que nos dá mais prazer vivê-la.  

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publicado às 16:05


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