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Post com final meio fútil. Também sou mulher

por Melissa Lopes, em 22.08.15

Venho de uma pequena (pequeníssima) localidade do nordeste algarvio. Cresci num ambiente em que os vizinhos são também família. Literalmente família, uns mais afastados que outros: primos, primas, primeiro, segundo grau, tios e tias e por aí diante. Tenho ideia que seria tudo igual, mesmo que não existissem os laços familiares entre todos. A proximidade, as portas abertas até a lua ir lá bem no alto, o contacto diário, a vida inteira ali uns com os outros faz dos vizinhos família, mesmo sem qualquer grau de parentesco.

Ora, habituada a isso tudo, quando vim para Lisboa (não me perguntem há quantos anos, já não gosto de fazer essas contas) deixei de ter a porta aberta para a vizinhança. E a vizinhança também não tem a porta aberta para mim. Alguns abrem-na ocasionalmente nos dias mais quentes para fazer corrente de ar. Também faço isso. Só que não fico descansada. 

O meu prédio vai até ao nono andar e cada andar tem três casas. 3x9=27 casas. Nas Mestras, lá no Algarve, há menos que isso. Mentiria se dissesse que não gosto deste anonimato que só o betão nos oferece. Gosto, pois. Ninguém mete aqui o bedelho, ninguém me conhece e ninguém quer saber de mim. É recíproco. Mas também é verdade que gosto de pessoas. O contacto que temo aqui no prédio é quando nos cruzamos no instante em que entramos ou saímos do prédio. Gosto, por exemplo, do meu vizinho velhinho que sai para dar uma volta ao quarteirão ou para fumar vagarosamente junto à entrada. Diz-me sempre bom dia, boa tarde e boa noite com um sorriso, seguido de um "como está?" Chamam-no de doutor. Idealizei que é um médico reformado. Mas doutor dá para tanta coisa... Terá sido juíz? Professor? Não sei. Cá para mim foi médico. É o que mais vezes vejo, por isso é o que mais gosto. Assim de repente, não me lembro de outros. Ou não os vejo ou não existem. Das duas, nenhuma. 

Ontem à noite, quando chegava do trabalho, uma vizinha cruzou-se comigo: partilhámos elevador. "Então, hoje não vai correr?", perguntou-me. "Já fui esta manhã, estou despachada", respondi, ao mesmo tempo que pensava "cum caneco, como é que esta senhora sabe que corro, não me lembro de a ter visto antes".

"Mas vai todos os dias?", continua a conversa, claramente interessada. "Já está mais magra, não está?, pergunta ainda. Respondo com uma pergunta: "Humm, acha?". "Sim, tem que ter cuidado. Eu por acaso também emagreço com facilidade", estabecemos logo ali pontos em comum.

Ainda que não corresponda à realidade (não posso dizer que esteja mais magra a olho nú, é só 1kg a menos em relação ao mês anterior) a conversa era música para os meus ouvidos. "Eu também gosto de fazer desporto, mas vou só ao ginásio. Não gosto de correr. Quer dizer, uma vez fui correr para Belém e gostei daquela sensação, mas só no fim", revela, com ar de quem podia ser facilmente convertida para o running.

Digo-lhe, à pressa: "Sim sim, no final vale sempre a pena, sabe sempre bem, por muito que tenha custado". A conversa termina com a chegada ao terceiro frente, mas poderia continuar. Nunca tinha reparado nesta vizinha, mas ela existia, já se tinha cruzado comigo variadíssimas vezes. 

Por vezes até sabe bem que se metam na nossa vida. Se fosse para dizer que estamos mais magras, até podia ser todos os dias.

 

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